Esta foi a primeira palavra que meu irmão mais velho, meu Monteiro Lobato, leu para mim. Era um trecho do livro 'Maldição do Cigano', de Stephen King, autor que meu irmão adorava.
Eu tinha 9 anos. O livro era um suspense, mas lembro-me claramente que o trecho que ele leu me deixou fascinada. A partir deste dia, todas as noites eu andava até o seu quarto e pedia para que ele me contasse como andava a história. Era um novo mundo para mim, um mundo cheio de palavras que eu não conhecia e pleno de criatividade.
Depois de algum tempo, essa atitude nossa se tornou quase um rito: todas as noites, antes de dormir, ele me chamava e lia os trechos mais importantes do livro para mim. Deste e de tantos outros livros que ele lia. (Meu irmão é um 'devorador' de livros...)
Um dia ele me deu a idéia de ir à Biblioteca Municipal emprestar um livro. Eu fui e voltei com dois livros infantis, cheios de figuras, mas que não tinham mais que 3 linhas em cada página. Eu estava empolgadíssima, mas ele ficou transtornado:
"- Com tantos livros decentes para sua idade, porque você pegou esses, que são livros de se ler para bebês?"
(Risos)
Ele tinha razão. Eu li os dois livros em 10 minutos e depois não tinha mais nada para ler. Então fui até o seu quarto e pedi que ele me desse um livro. "Carrie" foi o nome que mais me chamou atenção, em meio à tantos títulos e livros enormes. Assim, Carrie foi o primeiro livro que eu li. É uma literatura estranha para uma criança de 9 anos, mas não era a história do livro em si que me fascinava, e sim todo o mundo de prazer e criatividade que a literatura me proporcionava.
Depois de ler Carrie, fui à Biblioteca e emprestei "A ilha do Tesouro". Depois li mais alguns livros de Stephen King... Mas o gênero 'suspense' de Stephen King logo deu lugar à outros gêneros, que me agradavam mais: Julio Verne, Charles Dickens, Agatha Christie, Robin Cook...
Anos depois, conheci autores brasileiros maravilhosos: Luís Fernando Veríssimo, Jorge Amado (sobretudo seus livros 'políticos'); e através do meu irmão também descobri uma paixão: A História das Guerras, sobretudo da Segunda Guerra. Isso porque um dia ele chegou em casa com um livro que contava a história de Hitler, que eu nem imaginava quem fosse. Quando ele me contou um pouco do livro, eu fiquei curiosíssima. Depois que ele terminou de ler, eu o li. "Como alguém pode fazer isso com um outro ser humano?"... Essa é a pergunta para a qual procuro resposta até hoje (21 anos depois). Ao longo desses 21 anos, livros sobre a Segunda Guerra foram meus preferidos.
Assim, meu irmão não só me impulsionou a ler, como também foi responsável por meu gênero preferido (livros históricos). E aquele livro sobre Hitler foi muito importante em minha vida. Primeiro, porque me fez ter uma consciência humana muito avançada, desde criança. Todo adulto seria uma pessoa melhor se lesse aquele livro, é o que eu penso. Saber do Holocausto e do sofrimento que um ser humano causou a milhões de pessoas me fez uma pessoa melhor, menos egoísta e mais grata por coisas que para mim eram muito simples - como comida, brinquedos e liberdade.
E também aquele livro despertou em mim uma paixão que mantenho até hoje, e que foi responsável pela escolha do meu curso na universidade: a paixão pela pesquisa e informação. Comecei a pesquisar sobre Hitler, o que me levou ao nazismo, que me levou à Segunda Guerra, que me levou à Primeira... e assim por diante.
"Ciência da Informação" - é meu campo de estudo. Assim, posso dizer que meu irmão foi mais que meu Monteiro Lobato... ele ajudou, através da leitura, a formar o meu caráter. E isso é o maior presente que um ser humano pode dar a outro.
Por isso, Binho, a você eu dedico esse texto, com todo o meu
carinho e com toda a minha saudade. Chocolates roubados à parte, fuçar no seu armário sempre me trouxe grandes descobertas literárias! (ihihih)
PS: "Chocolates roubados" se refere ao fato de que, sempre que abria seu armário atrás de algo para ler, acabava encontrando chocolate para comer. E comia tudo, sempre!