Eu estava na varanda do chalè, sentada em uma mesa de ferro, vermelha, toda enferrujada e descascada. Na parte de cima ainda dava pra ver o logo "Coca Cola Coke", aquele usado anos 80. Eu olhava a mesa e tentava imaginar de que tipo de bar decadente ela teria vindo.
Acendo um cigarro e fico olhando o Heny pescar, na beira do lago que tem logo abaixo da cabana. De repente, ele joga a vara de pescar pro alto e se joga no lago. Eu penso que ele vai "pescar um peixe com as proprias maos", mas ele fica sò nadando. Quando olho com mais atençao, vejo que no seu encalço vai um jacarè e um tubarao (alguem depois me explica como um tubarao foi parar no lago). Eu grito desesperada, ele escuta, consegue nadar atè a margem do lago, o tubarao desiste e o jacarè sai andando atràs ele, que cai dentro de uma canoa. O Henry fica quietinho e o jacarè fica paradinho sò olhando.
Eu largo tudo, desço desesperada, pego uma pedra enorme que encontro no meio do caminho e quando me aproximo do jacarè, atiro a pedra na cabeça dele. O jacarè vira pro meu lado e se aproxima de mim. Eu fixo o jacarè e fico parada, balançando os braços no alto (porque provavelmente acho que jacarès sao ursos). O Henry levanta da canoa e quando eu penso que ele vem me ajudar, vira as cosas e corre para subir numa numa arvore, onde fica seguro (afinal, jacarès nao sao ursos).
Eu escuto ele sentar no galho da arvore, mas continuo olhando fixamente para os olhos do jacarè. Entao ele diz:
- Brava! Continua a fixa-lo assim que enquanto voce o encarar nos olhos, ele nao vai te atacar.
Eu me recuso a acreditar ele vai ficar sò me olhando virar papa de jacarè, entao viro os olhos para ve-lo e sinto... o jacarè que dà o bote e me "pega" pela cintura. Sinto seus dentoes na barriga, escuto o barulhinho dos ossos quebrando... mas antes de partir eu olho pro Henry mais uma vez... e vejo que ele està sorrindo.
Eu acordo iraaaada! Pra descontar a raiva, dou um chute nas canelas do Henry, que faz "hmmmsme...hmmm...tila" (hmmmpa...hmmm...ra)
Viro de lado e tento pegar no sono novamente. Durmo de novo, mas por um desses insondaveis misterios da natureza eu volto a sonhar com o mesmo lugar. A mesma floresta, mas um pouco diferente, pois anoooos se passaram.
Eu agora moro ali, em uma especie de Casa de Repouso, hà vinte anos. Mas eu estou morta e sou sò um fantasma.
Passo meu tempo atormentando os velhinhos que ainda estao lucidos o bastante para entender as peças que prego (sou um fantasma do mal). Eu tinha acabado de fazer um copo de agua voar da mao de um velhinho e cair na cabeça de outro quando ouço a campanhia tocar.
Uma freira vai atender e eu descubro que mortos e vivos partilham do mesmo sentimento: os velhinho e eu vamos atràs da freira e estamos ansiosos... nao recebemos muitas visitas.
A freira abre a porta e o que vemos sao duas crianças: um menino que demonstra ter uns 9 anos e uma menininha de 5. A menininha fica olhando os velhinhos, curiosa, enquanto o menino fixa meus olhos de fantasma. A freira faz eles entrarem sem dizer nada e eles começam a passear pela sala. Eu fico olhando o menino curiosa, sem entender porque ele consegue me ver. Depois de alguns minutos ele vem falar comigo.
- Eu fiz a primeira coisa que voce me pediu. (I see died people all the time...)
Eu fico sò olhando curiosa, porque, cavolo, eu nao me lembro de ter pedido nada.
- Essa è a tua filha, que voce nao conheceu.
Eu fico confusa. Estou mortà hà vinte anos, como posso ter uma filha de cinco?
Eu me a proximo e tento abraça-la, mas "escorrego" e atravesso seu corpo. Entao eu coloco os ouvidos no seu peito e fico escutando seu coraçao bater.
- Temos que ir agora.
Ele a pega pelas maos e começam a caminhar em direçao à porta. Antes de sair, ele se vira e me diz:
- Amanha eu vou fazer a outra coisa que voce me pediu.
Eu nao tenho ideia do que seja. A noite cai, a manha chega...
Estou tentando derrubar as peças de dominò que um dos velhinhos acabou de enfileirar quando sinto alguma coisa me "sugar". Eh como se tivesse um imenso aspirador de pò ligado que me puxasse, e eu saio voando, de costas. Voo por grande parte da floresta, vejo o lago onde o Henry deixou o jacarè me comer e entao chego na cabana.
Ela està muito mais velha que antes. A mesa continua là... muito mais velha, muito mais descascada, desmondata e apoiada num canto. Agora nao dà mais pra ler "Coca Cola Coke" mas sò "Co...a...o....ke". As pernas nao sao mais vermelhas.
Mas as flores em volta da varanda nao mudaram nada. Nao morreram, nao cresceram. Continuam exatamente como eram no sonho anterior.
Tem muita gente naquela varanda. Pessoas simples, algumas sujas de terra.
O menino que consegue me ver tambem tà là. Um dos homens segura uma pà. Eu fico parada observando-os e a um certo momento eles começam a se afastar. Eu noto que ali no meio, perto de onde as madeiras do piso foram arrancadas, tem um buraco.
O menino que consegue me ver olha pra mim e diz:
- Aquele è o seu corpo.
Eu voo atè o buraco e vejo o esqueleto. Reconheço o meu cabelo. Olho o esqueleto e vejo que entre as costelas, no lugar onde provavelmente um dia bateu um coraçao, està 'enroscado' um canivete Opinel. O Henry è um dos maiores colecionadores de canivetes Opinel do mundo!
Eu acordo, desta vez assustada.
Alguem com alguma teoria freudiana pode explicar?
...................
Experimento
Quando eu tinha uns 14 anos eu li um livro sobre sonhos que ensinava um experimento: acordar mais cedo e ficar 5 minutos tentando lembrar os sonhos que tivemos a noite. Ele dizia pra ficar tentando lembrar os detalhes, os cheiros, as sensaçoes, tudo...
O livro dizia que no primeiro dia nao conseguiriamos lembrar de nada, que depois de tres dias jà conseguiriamos lembrar fragmentos de sonhos, que depois de 1 semana jà conseguiriamos lembrar sonhos inteiros e que depois de um mes os sonhos viriam à tona assim que acordassemos, sem precisar mais fazer esforço.
Eu tentei o experimento e foi bem assim que aconteceu!
Mas o experimento tem um preço: depois que o cerebro acostuma a lembrar dos sonhos, eles viram uma especie de praga... eu nao conseguia me concentrar de manha porque ficava lembrando dos sonhos. MAs com o tempo eles pararam de aparecer... mas ainda hoje, se eu acordo no meio de um sonho, consigo lembrar detalhes que nem consigo perceber na vida real.